Solemania: "Juntos por unica vez" (Sony Music, 2002)

>> quarta-feira, 4 de agosto de 2010

por Chico Cougo
Fonte: Sony Music
Soledad Pastorutti trilhou um caminho de glórias diversas. Tornou-se a primeira mulher argentina a vender um milhão de discos, engatou uma seqüência de seis CDs premiadíssimos, levou um milhão de espectadores ao cinema com seu único filme, abocanhou a liderança de audiência com sua novela “Rincón de Luz” (Telefe, 2002) fez shows por toda a América Latina, foi aclamada por espanhóis, ingleses, franceses e israelenses. Enfim, num período de seis anos, se transformou numa autoridade musical, capaz de escolher os músicos, o repertório e a temática de seus discos e shows.

Apesar disso, o sucesso não lhe subiu à cabeça. O sétimo disco na carreira da santafesina de Arequito, editado em 2002 pela Sony, mostra bem a sua preocupação em não isolar-se daqueles que, desde tenra idade, lhe serviram de influência. Depois do exitoso “Libre”, Pastorutti une-se a um dos mais importantes nomes da música popular argentina num disco-tributo ao folclore. “Sole y Horacio juntos por única vez”, em parceria com o célebre poeta e cantor Horácio Guarany, é uma das maiores pérolas na carreira do furacão.

São vinte faixas, todas gravadas ao vivo, em 25 de outubro de 2002, no Luna Park (talvez o mais tradicional estádio portenho, lugar onde velaram Carlos Gardel em 1935, inclusive). Diante de milhares de espectadores enlouquecidos, Sole, Horacio, Natália e mais dez músicos talentosíssimos (seis da trupe de Soledad, quatro convidados por Guarany) fizeram uma das maiores festas já vistas na capital argentina. Este disco, à propósito, é tão especial que conta com a direção de Cesar Isella – parceiro de Horacio nos anos 1960, homem responsável pela própria descoberta de Sole.

Chacareras, zambas, litoraleñas… “Juntos por única vez” é um regalo aos fãs do folclore autêntico. Descrevê-lo é difícil, pois são tantos temas importantes que priorizar um ou dois é incorrer no sacrilégio do esquecimento. Particularmente, gosto muito de Si se calla el cantor e do Bloque romântico, que reúne quatro canções de amor escritas por Guarany. Também acho divinas a Canción del adiós e Recital a la infância, esta última emotivamente interpretada por Horacio, depois de uma belíssima declamação em que o veterano poeta agradece ao carinho do público e à própria Soledad, por ter se lembrado dele, um artista em fim de carreira.

Ainda entre minhas prediletas, cito Puerto de Santa Cruz, cantada solo por Natália Pastorutti. Trata-se de uma das páginas mais lindas do cancioneiro popular argentino, uma música que me emociona profundamente a cada audição. Natália, que neste disco angaria todos os aplausos possíveis e imagináveis, participa também da faixa Jacinto Piedra.

“Sole y Horacio juntos por única vez” conquistou um disco de Platina (mais uma vez, vamos vendo como as vendas baixam com o passar dos anos, culpa da “crise fonográfica) e recebeu elogios altamente positivos da crítica. Curioso é que, tamanho o sucesso do duo Pastorutti-Guarany, o “juntos por única vez” que intitula o álbum terminou por não se concretizar, já que os cantores realizaram outros espetáculos na capital portenha, todos eles lotados.

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Festival de Inverno é sucesso

>> sábado, 31 de julho de 2010

 por Chico Cougo
Fotos: América Macanuda
Quando alguém lhe perguntar o que Porto Alegre tem de bom, não deixe de citar o Festival de Inverno, promovido pela Secretaria da Cultura do município. Em sua quinta edição, o evento já faz parte do calendário das grandes atrações locais e, neste ano, alcançou uma espécie de “maioridade”, recheado de grandes atrações para todos os gostos. O América Macanuda esteve em dois dos treze shows organizados pela SMC e conferiu, de perto, as atrações argentinas Soledad Villamil e Dolores Solá, duas figuras carimbadas deste blog.

Na segunda-feira, 26, Villamil cantou para o Bourbon Country lotado, mostrando que não é apenas excelente atriz. O dia da argentina começou cedo, com uma participação ao vivo no Jornal do Almoço da RBSTV, onde ela foi rapidamente entrevistada e cantou dois temas, Santa Rita e La canción y el poema. É uma pena que a apresentadora Rosane Marchetti, responsável pelo bate-papo com Soledad, tenha se preparado pouco, incorrendo em alguns erros banais, além de referendar o já célebre engano de encarar Villamil como uma atriz que resolveu arriscar-se na música – o que, definitivamente, não condiz com a verdade.

No palco do Bourbon, a protagonista de El secreto de sus ojos, apresentou quase todos os temas de seus dois discos e, de quebra, trouxe duas canções novas que deverão compor seu repertório a partir do próximo CD. Acompanhada por percussão, contrabaixo, bandoneón, violão e cello, a cantora mostrou desenvoltura, arriscando palavras em português, explicando expressões do lunfardo (a gíria portenha do tango) e esbanjando simpatia. No final, uma longa fila aguardava para adquirir seus discos.

No dia 28, quarta, o tango voltou à cena no Festival de Inverno, desta vez no simpático e intimista teatro do CIEE. No tablado, Diego Rolón, Rodrigo Guerra (guitarras), Martin Pavlovsky (piano) e a atração da noite, Dolores Solá. Apresentando seu primeiro disco solo, “Salto Mortal”, Lola contou ainda com a participação de dois figurões locais: Hique Gomez e Arthur de Faria. Com muito bom humor, os músicos executaram o “repertório esquecido” de três dos maiores intérpretes do tango antigo, Agustin Magaldi, Carlos Gardel e Ignácio Corsini. A cada canção, muita interação com a platéia, dando um toque de descontração ao show.
Para além das duas revelações da música argentina, o Festival de Inverno 2010 contou, ainda, com os shows de Jorge Drexler (sucesso em dose dupla, nos dias 24 e 25) e Kevin Johansen. Nas atrações locais, Gelson Oliveira, Identidade, Volantes, Bluegrass, Paulinho Fagundes, Fausto Prado, Caetano Silveira, Cidade Baixa, Quartcheto, Felipe Catto e Juliano Barreto, todos a preços populares e em locais com ótima estrutura, uma prova de que o evento tem sido encarado com muita seriedade e competência pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Esperamos que assim siga. E que em 2011, novas e boas atrações façam desta capital mais um ponto macanudo do mapa-múndi.

Para acompanhar maiores detalhes sobre os shows do 5º Festival de Inverno, visite o site oficial do evento.

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Solemania: Libre (Sony Music, 2001)

>> sexta-feira, 23 de julho de 2010

por Chico Cougo

 Fotos: Sony Music

Em 2001, Soledad Pastorutti já era uma cantora de sólida carreira em quase toda a América hispânica. Seus cinco discos haviam alcançado cifras de vendagem impensáveis, “La edad del sol” (primeiro e único filme que rodou) levara cerca de 1 milhão de espectadores aos cinemas e, a cada novo espetáculo, os recordes de público aumentavam.

Tamanho sucesso acabaria se refletindo cada vez mais nos discos lançados a partir do século XXI. Para a Sony Music, Soledad sempre foi um produto de lucro fácil e imediato. Para a cantora, no entanto, havia outros fatores a considerar. Crescia nela a vontade de mostrar ao mundo que seu talento não se resumia apenas ao folclore pátrio.

Assim, depois do folcloríssimo “Soledad”, em 2001, Sole grava “Libre”, sua nova tentativa de adentrar no mundo pop. Diferente de “Yo si quiero a mi país”, o sexto álbum da santafesina ganhou uma atenção redobrada por parte da Sony; não fugiu por completo da música típica do noroeste hermano e foi produzido inteiramente na Argentina. Entre agosto e setembro de 2001, os estúdios El Pieentre (Buenos Aires) receberam a trupe de Pastorutti, desta vez dirigida por Alejandro Lerner e Fernando Isella – de volta, depois de um curto hiato.

“Libre” tem um enfoque pop na maioria das faixas, mas ainda carrega traços do folclore. Com Chacarera de un triste (Simon Hermanos), Canción del jangadero (Jorge Mendéz) e Padre del Carnaval (Horacio Guarany e Cesar Isella), por exemplo, fica marcada a presença da música que consagrou Soledad. No entanto, neste disco, estas versões optam por uma estética mais intimista, com menos guitarras e mais arranjos à base de piano e percussão.

Na maior parte do álbum, prevalecem as baladas pop. Com Obsesión (Pedro Gimenez), o ouvinte nota uma Soledad bem diferente de quase tudo o que fora gravado antes. Já com os grandes sucessos do disco – El tren del cielo, Libre e Todos juntos – a musicalidade já testada (e aprovada!) em El bahiano (em “Yo si quiero a mi país”) volta com tudo, alavancando as vendagens e execuções no rádio.


“Libre” conta com a participação – onipresente, a propósito – de Natália, cada vez mais madura e pronta para alçar vôos solo. Também traz, na música-título, a participação de uma voz masculina, a de Alejandro Lerner, cantando em dueto. É um bom disco, indiscutivelmente, mas está longe de ser o meu predileto. Tem músicas boas, mas – por questões de gosto – sempre tendo a preferir a Soledad folclórica. Como minha opinião é apenas isso mesmo, a minha opinião, o povão tem todo o direito de discordar. Aliás, já discordaram: “Libre”, à época, vendeu tanto que angariou 5 discos de Platina e foi reeditado (com pompas de produção internacional) em 2002, chegando a ser vendido aqui no Brasil, inclusive.

Enfim, outro retumbante sucesso na carreira de Soledad. E uma pequenina pausa no seu intermitente diálogo com o meio folclórico. Sim, pequenina. No ano seguinte, a maior cantora da Argentina já estaria revoleando seu poncho em pleno Luna Park e ao lado de uma das mais legendárias figuras da música gaúcha argentina. Assunto para outro post!

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Solemania: Soledad (Sony Music, 2000)

>> sexta-feira, 16 de julho de 2010

por Chico Cougo

Fotos: Sony Music

Soledad Pastorutti precisou ir a Miami, gravar um disco pop e despertar olhares de desconfiança da “velha guarda” do folclore argentino, para perceber que seu habitat natural era muito mais o noroeste gaúcho de seu país (onde nasceu), do que a Latino-América dançante e paradisíaca vendida pelos americanos em revistas de turismo.

Depois de “Yo si quiero a mi país” (1999), o furacão confinou-se nos estúdios El Pie, de Buenos Aires. Ali, novamente com os principais músicos que lhe acompanharam no início (Arauca, Calcaterra, López), agora somados ao talento do baixista Pablo Santos e do diretor Gerardo Gardelín, a trupe gravou “Soledad”, o álbum que marca o regresso definitivo da cantora à arte de inspiração folclórica.

É interessante analisar a carreira desta santafesina através de seus CDs. Como já mostrei nos últimos dias, seus primeiros três álbuns foram dotados de uma originalidade tão grande, que a precariedade das gravações passa despercebida a qualquer ouvinte. No quarto trabalho, “Yo si quiero a mi país”, é exatamente este viés “amador” que se combate, mas algo dá errado e o disco acaba destoando dos demais. Com “Soledad”, em 2000, finalmente unem-se qualidade musical elevada e seleção de temas certos.

Do ponto de vista das vendas, a quinta obra de Sole foi um sucesso tão grande quanto todos os outros. Premiado com dois discos de Platina, só não vendeu mais porque os anos 2000 começam com uma grande decadência no mercado fonográfico (visivelmente atingido pelas transformações proporcionadas pela informática – aquele processo que a indústria chama de “pirataria”). Mesmo assim, este disco é um êxito estrondoso e sua “estética” ajuda a entender o porquê.

Primeiro: depois de não ter logrado o resultado esperado no mercado “internacional”, Sony Music e Soledad decidem investir com força no comércio interno argentino. “Soledad” é, por isso, um álbum folclórico em praticamente tudo; até na capa – simples, mas sugestiva, já que Soledad aparece em frente a uma paisagem de Arequito, como que simbolizando sua “volta ao pago”. No repertório, o disco também chama atenção. São treze faixas, sendo três temas típicos peruanos, um chileno e todos os demais argentinos. No time de autores, alguns nomes consagradíssimos: o sempre presente Horacio Guarany (Carta a un amigo, parceria com Albérico Mansilla), o clássico José Larralde (Garza viajera) e Chango Rodriguez (De mi madre e Luna cautiva), entre outros. Da pena da própria Soledad, consta De mi pueblo (em parceria com Palito Ortega).

Em “Soledad”, Natália Pastorutti participa em duas faixas, De mi madre e Chacarera del cardenal. Nesta última, aliás, há um registro importantíssimo da voz de Sixto Palavecido, que atua como “violino convidado”, numa nítida estratégia de consolidar a intenção folclórica do disco. Sobre a participação de Nati, vale lembrar que neste álbum a irmã mais nova de Soledad começa a definir mais claramente seu talento como cantora, ganhando um destaque crescente que, mais tarde, redundará em seu primeiro CD solo.

Não posso encerrar este texto sem falar daquela que, sem dúvidas, é uma das principais faixas de “Soledad”. Até porque, honestamente, é até meio difícil acreditar que os produtores da Sony tivessem certeza sobre o sucesso absurdo que uma “ultrapassada” valsa peruana dos anos 50 poderia fazer em pleno ano 2000. Estou falando, claro, de Propriedad privada (Julio Jaramillo), talvez o maior êxito do repertório de Soledad depois de Que nadie sepa mi sufrir. Certamente, só Propriedad… já asseguraria a vendagem do álbum.


Pessoalmente, tenho um grande apreço por este CD do “furacão de Arequito”. Foi através da faixa 11, Cuando llora mi guitarra (Agusto Campos), outra valsa peruana, que conheci a cantora, numa gris tarde de novembro de 2008. Acho que, por isso, este é meu álbum predileto de La Sole. Para mim, tem um gostinho diferente, bonito, puro. Sentimento bastante diferente do que sinto por “Libre”, o próximo disco a ser analisado por aqui.

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Solemania: Yo si quiero a mi país (Sony Music, 1999)

>> domingo, 11 de julho de 2010

por Chico Cougo
Fotos: Sony Music

Durante três anos consecutivos, Soledad Pastorutti manteve-se no topo da parada de sucessos argentina, angariou milhares de fãs e colecionou prêmios diversos. Entre 1996 e 1998, ela foi a artista número um da filial hermana de Sony Music. Empolgados pelo “fenômeno La Sole”, os executivos da companhia acharam que já era hora de Pastorutti deixar para trás a simplicidade dos estúdios portenhos para alçar vôos mais altos. E assim nasceu “Yo si quiero a mi país”, seu quarto CD.

Foi um passo ousado. Um salto, na verdade. Com “Yo si quiero a mi país”, a intenção era explícita: transportar o sucesso que havia conquistado a Argentina, para o resto da América. Soledad – que já obtivera algum êxito na Espanha (onde teve seu segundo disco, “La Sole”, editado) -, viajou para o principal centro de produção da música latina, Miami. Lá, ela foi assessorada pelo conhecidíssimo Emilio Estefan Jr (através da Estefan Enterprises Inc, responsável, entre outros artistas, por Gloria Estefan). Emilio dirigiu e produziu o novo disco de Sole. Fernando Isella, responsável direto pelos primeiros três álbuns da cantora fica para trás nesta história. Ele e uma parcela do caráter “puramente folclórico” da carreira do “furacão de Arequito”.

“Yo si quiero a mi país” transformou Soledad numa das principais artistas latino-americanas. Inegavelmente, o disco lhe deu prestígio num mercado difícil. Comercialmente, o trabalho também saiu exitoso, angariando três discos de Platina na Argentina. Contudo, apesar dos benefícios, o quarto álbum de Soledad acendeu uma luz amarela em sua carreira: dada a brusca mudança de estilo e sonoridade, parte do público cativo da cantora parece ter sido surpreendida pelo resultado final da obra. Muitos não gostaram do que ouviram e os intentos de sucesso internacional acabaram não se concretizando. “Yo si quiero…” mostrava, nitidamente, que o time com que Sole havia jogado até então era vencedor. E que não deveria ser mexido.

Mesmo assim, musicalmente, este é o melhor álbum da cantora, se comparado aos anteriores. Momentaneamente abandonada a base de duas guitarras e um bombo, o instrumental do disco é riquíssimo, principalmente no que tange à percussão. Também, pudera: é neste disco que La Sole dá um chega pra lá nas marcantes chacareras e zambas para gravar ritmos mais universais latino-americanos, como o candombe (Popurri de candombes, com participação de Natália) e outros temas típicos da América Central.

Apesar disso, o folclore não fica de fora nesta produção, e El humahuaqueño é um bom exemplo do quanto os produtores da (agora) Sony International tentaram manter determinados traços característicos dos primeiros discos de Pastorutti. Traços que, aliás, acabam um tanto quanto sufocados pela enxurrada pop que varre a maioria das doze faixas do álbum.

Por falar em pop, eu diria que a maior herança deixada por “Yo si quiero a mi país” para a carreira de Soledad foi a presença de El bahiano (Angie Chirino), a história melodramática (e dançante) da jovem Lorena que, na praia de Ipanema (sim, no Rio de Janeiro), se encanta por um baiano pianista. É um amor proibido (o tal baiano é um miserável e a menina é filha de um rico empresário), e que leva Lorena a um estranho suicídio. Apesar de insólita (na minha opinião, pelo menos), El bahiano transformou-se num sucesso estrondoso, estando presente até hoje no repertório de Soledad e, por algum tempo, nas pistas de dança, já que a canção ganhou uma versão remix tempos atrás.

 
Resumidamente, eu diria que “Yo si quiero a mi país” é a obra-contradição na carreira de Soledad. Fez sucesso, deixou marcas, mas mostrou à cantora que seu público a preferia cantando folclore. Embora tenha buscado uma inspiração pop nos discos posteriores, a santafesina nunca mais deixaria de ter como foco a música de inspiração folclórica. Por isso, “Yo si quiero…” pode ser visto como o “erro benéfico” que todo artista de sucesso comete algum dia. Um erro que rendeu boas pérolas “lado B” para Sole, como Mi bien e a minha paixonite aguda Mi consejo (letra genial do pouco conhecido Roberto Blades).

Em 2000, a carreira de Sole volta aos trilhos. Depois da malfadada produção de Miami, a cantora responderá ao susto da mudança brusca à altura. Seu próximo disco, tema de nosso próximo post, terá o pago de Arequito nas faixas e até na capa.

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Solemania: A mi gente (Sony Music, 1998)

>> terça-feira, 6 de julho de 2010

por Chico Cougo

Fotos: Sony Music


Bastaram dois discos de Diamante para que o “furacão de Arequito” varresse a Argentina de norte a sul. A carreira de Soledad Pastorutti – que começou meteórica e, como tal, parecia prestes a despencar na mesma intensidade – consolidou-se de forma impressionante nos dois anos posteriores ao seu debut, no Cosquín ‘96. O sucesso da menina abocanhou as rádios e TVs hermanas de tal forma, que sua estréia no mais famoso e consagrado palco do país – o teatro Gran Rex, da mítica calle Corrientes – tornou-se inevitável. Do encontro entre Sole e o palco nº 1 de Buenos Aires, brotou “A mi gente”, terceiro CD da santafesina.

“A mi gente” é o primeiro disco ao vivo de Soledad, e também o mais bem elaborado até então. Das 30 sessões que deu no Gran Rex, duas (as de 31 de agosto e 2 de setembro de 1998) foram utilizadas na montagem do CD. Diferente dos álbuns anteriores, neste La Sole canta um número maior de temas (17), mas segue investindo em ritmos consagrados, zambas e chacareras, principalmente. Puramente folclórico, “A mi gente” prossegue com o mesmo trio de músicos já conhecidos dos discos anteriores, mas agora o conjunto é incrementado por mais uma guitarra, tambores, percussão e até por um portenho bandoneón.

Como este álbum traz mais canções do que os outros, não vou falar de cada uma delas individualmente, como em posts anteriores. Melhor mesmo é fazer um apanhado das características mais “impressionantes” de “A mi gente”. A começar, claro, pelos autores envolvidos. E aí, quem conhece um pouco de folclore argentino sabe do poder de nomes como Horacio Guarany, Carlos Carabajal, Cesar Isella, Atahualpa Yupanqui e Facundo Saravia, todos eles presentes no palco do Gran Rex através da garganta de Sole.

Falando em garganta… Soledad e Fernando Isella (que dirigiu mais este CD do “furacão”) idealizaram um roteiro pra lá de interessante para os shows em Buenos Aires. Digo isso, porque entre os clássicos folclóricos da playlist, foi incluído um “intruso” portenho: Garganta con arena, tango de Chacho Castaña que, instantaneamente, tornou-se inerente aos shows de Soledad, tamanha sua capacidade em interpretar a canção. Aliás, junto com este tangaço, eu destacaria, ainda, Pa’el que se va, do célebre Alfredo Zitarrosa.
“A mi gente”, além da simbiose mais do que audível entre Soledad e o público bonaerense, marca dois batismos. O de Natália Pastorutti, que grava neste disco sua primeira canção solo (Sapo cancionero, de Jorge Hugo Chagra e Alejandro Flores) e o da própria Soledad, que registra sua primeira composição (Canten para papá, em parceria com Cesar Isella e numa homenagem a seu pai – canção autobiográfica).

O terceiro álbum de Soledad Pastorutti, de repertório e instrumental meticulosamente pensado, marca a virada de página definitiva na carreira da menina que, agora, se transformara num dos maiores cachês de seu país. O fato de um telefone de contato para shows vir estampado no encarte dos primeiros CDs da cantora – e que desaparece em “A mi gente” – marca o novo caráter de sua carreira, a imersão de La Sole no topo do show business nacional. Seu disco ao vivo é o primeiro dos muitos vôos altos em sua carreira de êxitos. Se nos anteriores, Soledad havia arrematado discos de Diamante por alta vendagem, com “A mi gente” as estantes de sua casa ganhariam nada menos do que cinco discos de Platina outorgados pela CAPIF. Estavam abertas as portas para que a Sony Music crescesse os olhos para o fenômeno que tinha sob contrato. Seu próximo disco será gravado nos Estados Unidos. E a menina seguirá “arequiteando querências”. História para o próximo post.

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Solemania: La Sole (Sony Music, 1997)

>> sexta-feira, 2 de julho de 2010

por Chico Cougo
Fotos: Sony Music
Depois de ter vendido 800 mil cópias e abocanhado o prêmio Diamante com “Poncho al viento”, em 1997 Soledad Pastorutti e Sony Music voltaram a investir no mercado fonográfico com força. Surpresos pelo sucesso do singelo primeiro CD da cantora, os executivos da Sony nem precisaram de grandes esforços para converter “La Sole” – segundo álbum do “furacão” – num sucesso ainda mais tremendo que “Poncho…”.

Aliás, 1997 foi um ano pródigo para Soledad Pastorutti. Carinhosamente apelidada pelos argentinos de La Sole (daí o título de seu segundo disco), um ano após ter sido revelada em Cosquín, a santafesina chegou a cantar em 181 povoados e cidades da Argentina, percorrendo do interior à capital no período de poucos meses. Concomitante à primeira gira nacional da cantora, “La Sole” subia repentinamente na parada de sucessos, chegando mesmo a fazer concorrência com o ainda exitoso “Poncho al viento”. Durante alguns meses, ambos CD’s dividiram a ponta da parada de sucessos, um feito inédito no mercado fonográfico argentino.

“La Sole” teve praticamente a mesma equipe de produção que atuou no primeiro disco de Pastorutti. No comando, Fernando Isella (filho do consagrado Cesar Isella, o homem que “descobriu” Soledad), que além de dirigir o álbum, também atuou nos pianos e teclados. Para o instrumental do disco, foram mantidos os guitarristas Jorge Calcaterra e Alberto Arauco ('Laucha' Calcaterra está até hoje na trupe da artista). O bombo ficou por conta de Silvio López. Todos gravaram nos estúdios El cono del silencio, Íon e Panda (Buenos Aires).

O repertório e a musicalidade de “La Sole” lembram, em muito, o que foi consagrado em “Poncho al viento”. São canções conhecidas, algumas delas colhidas em outros países, como Peru e Chile. Foram gravadas na mesma base instrumental do trabalho anterior e, por isso, parecem ter sido registradas na mesma ocasião. Ao repertório, então: consta a valsa Que nadie sepa mi sufrir (Angel Amato e Enrique Dizeo, faixa 1); as chacareras Del norte cordobes (Ica Novo, 4), Las Moras (Yuyo Montes, 2) e Si de cantar si trata (Facundo Saravia, 9); as zambas Ando por la huella (Argentino Luna, 3), Chilenito del Pucón (Cesar Isella, 6) e Achalay Tafi del Valle (Horacio Guarany,12) e Mano a mano (Mario Teruel e La Moro, 10); a litoraleña Enero (Romero Maciel-Cesar Miguens, 5); o chamamé Kilometro 11 (Tránsito Cocomarola, 7); a canção La carta perdida (Juan Raúl Ratti, 8); e o rasguido doble Punta Cayasta (Orlando Veracruz e Julio Migno, 12).
Três das doze faixas contam com participação especial de Natália Pastorutti, repetindo o sucesso já alcançado em “Poncho al viento”. Além disso, “La Sole” traz alguns dados importantes. Primeiro, foi nele que se registrou aquele que talvez seja o maior clássico de Soledad – Que nadie sepa mi sufrir. Além dele, também podemos incluir como “clássico”, Punta Cayasta, canção que foi aumentando em popularidade gradativamente nos últimos 12 anos. Não se pode esquecer, ainda, da primorosa gravação do conhecidíssimo Kilometro 11. Enfim, um discão. Tanto, que chegou a ganhar nova edição no ano seguinte, com uma faixa a mais, Los sueños de todo el mundo (Cesar Isella), tema da Argentina no Campeonato Mundial de Futebol da França.

Não à toa, “La Sole” ganhou o Diamante após vender cerca de um milhão de cópias e superar seu antecessor. Do topo das paradas de sucesso, Soledad sairia para o maior palco argentino, o Teatro Gran Rex, na legendária calle Corrientes. Definitivamente, a menina que se consagrara em Cosquín, conhecia as glórias da principal cidade rioplatense. “A mi gente”, seu terceiro álbum mostrará a primeira grande transição de sua vida profissional. Mas isso é assunto para outro post.

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Festival de Inverno promete edição histórica

>> quinta-feira, 1 de julho de 2010

por Chico Cougo
 Foto: Multimagem
Como já foi divulgado aqui no América Macanuda, o 5º Festival de Inverno de Porto Alegre está chegando. Nesta semana, a Secretaria Municipal da Cultura divulgou a programação do evento. Além da  anunciada presença de Soledad Villamil (confira aqui um resumo sobre o show), no dia 26 de julho, outras grandes atrações prometem surpreender o público. Os destaques, claro, ficam para a “música macanuda”.

Nos dia 24 e 25, o Festival abre com a presença do uruguaio Jorge Drexler, consagrado cantor e compositor que já possui onze discos em sua trajetória artística. Drexler se apresenta no Teatro do Bourbon Country, mesmo palco em que Soledad Villamil desfilará seu intenso e fabuloso repertório, na noite do dia 26.

No dia 30 de julho, no Teatro Renascença, é a vez do Quartchêto dar as caras no Festival. O grupo tem uma interessante proposta que mescla nativismo gaúcho com jazz, misturando vários ritmos em construções instrumentais criativas e surpreendentes. O Quartchêto, composto por Hilton Vaccari (violão), Júlio Rizzo (trombone), Luciano Maia (acordeon) e Ricardo Arenhaldt (percussão), é um dos maiores vencedores das últimas edições prêmio Açorianos.

O 1º de agosto tem outra atração local de indiscutível qualidade. Trata-se do show do guitarrista Paulinho Fagundes, no Teatro de Câmara. Paulinho busca se diferenciar na interpretação de um repertório universal, com ênfase na música de inspiração folclórica sul-americana e também no jazz.

Para os amantes do tango, o destaque do 5º Festival de Inverno é a presença da argentina Dolores Solá, dia 28/7, no Teatro do CIEE. 'Lola' Solá é vocalista do grupo La Chicana, um dos maiores destaques da nova geração do tango portenho. No show em Porto Alegre, ela deve apresentar, principalmente, os destaques de seu primeiro disco solista, o “Salto Mortal”, sobre o qual já falei, aqui no América Macanuda.

Os ingressos do Festival de Inverno 2010 custam de 10 a 30 reais. Para obter maiores informações sobre como adquiri-los e também para saber mais detalhes destes e de outros shows, uma boa dica é acessar o site oficial do evento.

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Solemania: Poncho al viento (Sony/BMG, 1996)

>> terça-feira, 29 de junho de 2010

por Chico Cougo

Fotos: Sony/BMG


O que esperar de um disco gravado em cerca de 8 horas, por uma cantora-mirim saída do interior argentino, com o simplíssimo acompanhamento de apenas dois violões (guitarras, para os argentinos) e um bombo? Fracasso seria a resposta mais coerente, se o disco não fosse “Poncho al viento” e se a cantora não fosse Soledad Pastorutti.

Os ventos do “furacão de Arequito” recém começavam a soprar pela Argentina. Com apenas 15 anos, Soledad (acompanhada por sua irmã Natália) fora congratulada com o “Cosquín de Oro”, na edição de 1996 do maior festival folclórico da América do Sul. Do palco onde cantou quatro músicas (pela programação cantaria duas, mas o público exigiu mais um par), a menina de roupas simples, cabelos maltratados e sardas no rosto, saiu direto para o estúdio El Cono Del Silencio, em Buenos Aires. Com direção de Fernando Primero e masterização de Edgardo Suarez, em pouco tempo o CD “Poncho al viento” ficou pronto. Na distribuição, uma receosa Sony dava restrita divulgação ao álbum.

Só que algo aconteceu...

Inexplicavelmente, depois de um breve período de vendas regulares, “Poncho al viento” começou a subir nos rankings de comercialização. Em pouco tempo, o disco superou a marca dos 800 mil exemplares vendidos, um recorde na discografia argentina, até então. “Poncho…”, talvez o mais pobre trabalho fonográfico a fazer tanto sucesso, permaneceria por um ano e meio entre os dez discos mais vendidos da Argentina e arremataria um inacreditável disco de Diamante, outorgado pela CAPIF (espécie de associação dos produtores fonográficos daquele país).

O que fez de “Poncho al viento” um sucesso tão vasto é uma questão dificílima de ser respondida. Soledad ainda não era conhecida; o disco foi feito às pressas, no embalo da apresentação da cantora em Cosquín; o trabalho em cima do álbum foi fraquíssimo (só a capa, esteticamente pouco “inspirada”, já mostra isso). Porém, a menina de Santa Fé estava fadada ao êxito. Em parte pela empatia imediata que criou com o público, tão logo deu as caras nos escenarios e na TV. Depois, pelo que resolveu cantar. E aí é preciso ouvir seu disco-debute com atenção.

“Poncho al viento” tem uma musicalidade linear, dada a mísera quantidade de instrumentos no acompanhamento (gravaram com Sole apenas os três músicos que já a acompanhavam em shows). O repertório, porém, é forte, composto quase que só por clássicos e obras de compositores consagrados. Nos 35 minutos e 33 segundos de música, estão as zambas Salteñita de los valles (Horacio Guarany, faixa 1), El duende del bandoneón (Pedro Favini e Oscar Mazzanti, 4) e Rosário de Santa Fe (Agustín Irusta e Manuel Gárcia Ferrari, 7); as chacareras Entre a mi pago sin golpear (Carlos Carabajal e Pablo Trullenque, 2) e A Don Ata (Mario Alvarez Quiroga, 8); os chamamés Por las costas entrerrianas (Horacio Guarany, 3), A mi Corrientes Porá (Luis Bayardo, 10) e Puerto Tirol (Marcoz Ramírez e Heráclito Pérez, 11); as valsas Alma, corazón y vida (Adrian Flores, 6) e A Gualeguaychú (Humberto Echazarreta e Vicente Saitta, 9), a milonga Pilchas gauchas (Orlando Veracruz, 3); e a Canción de las simples cosas (César Isella e Armando Tejada Gómez, 12).


Todas regravações, nada inédito. Aliás, um repertório conhecidíssimo, boa parte já gravado à exaustão desde os anos 1960-70. Apesar disso (ou talvez por isso…), muito bem adequado à voz de Soledad Pastorutti. Das doze canções, quatro contaram com a participação de Natália, sendo que Alma, corazón y vida (um clássico bolero latino-americano dos anos 50, transformado em valsa) tornou-se, nos meses seguintes ao lançamento do disco, a grande composição cantada em duo pelas hermanas Pastorutti. A propósito, deste CD, pelo menos cinco composições permanecem, com certa regularidade, na playlist dos shows de Soledad ainda hoje. São elas: Salteñita de los valles, Entre a mi pago sin golpear, Pilchas gauchas, Alma, corazón y vida e A Don Ata. Esta última, diga-se de passagem, ficou conhecidíssima por sua introdução (um conjunto de acordes-solo em guitarra, com destaque para o esmero do genial Jorge ‘Laucha’ Calcaterra), um prefixo que sinaliza o encerramento dos shows do “furacão” atualmente.

“Poncho al viento” é um daqueles fenômenos fonográficos inexplicáveis. Falar dele é sempre difícil e nos leva muito mais a louvá-lo por seu repertório e por ter aberto as portas para que o mundo conhecesse Soledad Pastorutti, do que qualquer outra coisa. Depois dele, os discos da santafesina evoluiriam à passos largos no quesito qualidade. O próximo seria o passo definitivo na carreira de uma estrela consagrada; é quando Sole deixa de ser um mero acontecimento de festival, para tomar conta do maior palco portenho, na calle Corrientes.

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Solemania

Foto: Huracán de Arequito
 

A pouco menos de sessenta dias do show de Soledad Pastorutti em Porto Alegre, o América Macanuda traz uma novidade: a partir de hoje, faremos uma viagem pela carreira da santafesina de Arequito através das suas produções mais conhecidas, os seus discos e DVDs. Nesta trilha, animada por zambas e chacareras, vamos percorrer a história do huracán desde seus primórdios. A maior parte dos textos desta série já foi publicada no blog Memórias do Chico, mas todos eles passaram por ajustes, mudanças e acréscimos, sendo, de certa forma, inéditos.

Para quem não ainda conhece La Sole, aí está a chance. Desfrutem!

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América Macanuda entrevista Shana Müller

>> sábado, 19 de junho de 2010

por Chico Cougo

(Arquivo América Macanuda)

Ela é jornalista, intérprete de sucesso e, agora, dona do selo fonográfico GM/2 Música. Guarda irrestrita admiração pelos artistas platinos, especialmente por “La Negra” Mercedes Sosa, com quem teve a oportunidade de dividir palcos. Começou muito jovem e, aos 12 anos, participou de sua primeira gravação, ao lado de Wilson Paim. De palco em palco, Shana Müller é uma das maiores revelações da música gaúcha na última década: conquistou o respeito do exigente público festivaleiro, conseguiu espaço na mídia e, com passos firmes, quer ser do mundo.

A cantora, que está lançando seu terceiro disco, “Brinco de princesa”, concedeu entrevista ao América Macanuda, onde falou de seu passado, seus projetos e dos desafios para o presente e futuro. Acompanhe:

AMÉRICA MACANUDA: Apesar de jovem, você já ostenta uma carreira relativamente longa, sendo, inclusive, considerada uma das grandes revelações da música regional gaúcha na última década. Como teve início sua trajetória artística?

SHANA MÜLLER: Minha trajetória iniciou por um desafio. Eu morava em Alegrete e resolvi entrar no grupo de danças do CTG Farroupilha, onde meu pai era sócio. Aí foi um encantamento com a cultura e com todas as atividades que envolviam aquele grupo social. Resolvi que queria ser primeira prenda e, para tanto, deveria desenvolver alguns “dotes artísticos”. Foi assim que comecei a fazer aula de violão com meu professor, Vicente Guglielmi, quem me encorajou a subir ao palco pela primeira vez. Logo o violão foi deixado de lado e me dediquei a cantar. Dai viram as participações em concursos infantis em festivais e rodeios, a gravação de Vitória-Régia com Wilson Paim e a certeza de que a musica faria parte de minha vida de alguma maneira.

AM: Você tem sido bastante identificada aos festivais de música nativista, dos quais participa ativamente. Qual a importância destes certames em sua carreira e até que ponto você os considera eficazes para a divulgação de seu trabalho?

SM: Eu tive uma história um pouco diferente da maioria dos cantores de festivais. Geralmente o festival é o primeiro passo para o artista, músico, intérprete ou compositor que quer mostrar seu trabalho. Eu recém tinha me formado em jornalismo e encerrado minhas participações como cantora de grupos de danças dos CTG’s. Como cantora “adulta” tinha participado do projeto “Palco do Rio Grande” à convite de Luiz Carlos Borges, onde reinterpretamos o Conjunto Farroupilha e os Gaudérios em um lindo show, no Teatro do SESI, aqui em Porto Alegre. Mas a maioria dos compositores não tinha ouvido nenhuma interpretação minha que não fosse a gravação infantil de Vitória-Régia [Shana Müller contava apenas 12 anos de idade na ocasião]. Aí me convidaram para fazer um show em Piratini, na Semana Farroupilha. Na época, chamei o musico Márcio Rosado para me ajudar a montar o repertório e ele acabou me incentivando a gravar. Assim, gravei meu primeiro CD, “Gaúcha”, em 2004. E a partir daí minha participação nos festivais começou a ser mais efetiva. Antes disso, tinha participado apenas de um. E acredito que hoje existem muitas maneiras de mostrar o trabalho, de começar. O festival é apenas um meio e não tem mais o mesmo impacto que antigamente; o que não é demérito nenhum. O mercado mudou. A forma de consumo da musica também. O festival continua sendo um palco importante e fundamental na divulgação do trabalho dos artistas gaúchos no mercado da musica do sul.

AM: Em “Gaúcha” (2004, USA) e “Firmando o passo” (2006, USA) você investiu em um repertório diversificado, mas bastante vinculado à produção musical nativista. Tem pretensões de diversificar ainda mais os gêneros musicais de seus próximos discos? Há uma preocupação em superar o repertório meramente nativo, investindo em outros tipos de temas?

SM: Acredito que não. Acho que meus três discos acabaram sendo um a continuação do outro. Digo isso em relação a meu sentimento como cantora, minhas ânsias e até mesmo o meu amadurecimento como música e como artista. A gente evolui, percebe outras coisas, outros sons; recebe outras influências. Contudo meu trabalho é vinculado completamente a musica regional gaúcha. Esse é e seguirá sendo o estilo musical a que me dedico pelo simples fato de que esta é a musica que me emociona. E se não me toca, não consigo interpretar. Sou uma cantora muito mais emocional que técnica. E acredito que isso é fundamental para chegar às pessoas. Afinal, quando nos dispomos a ser artistas, seja de que área for, temos um objetivo: transmitir algo; seja através da voz, da pintura, da interpretação. E temos que descobrir de que maneira queremos e podemos fazer isso. A minha maneira é falando do meu lugar, do sentimento do meu povo. Não me rotulo uma cantora nativista, tradicionalista, enfim. Sou uma cantora regional gaúcha, em toda a amplitude deste universo que é o sul do mundo. E assim pretendo seguir. Sem deturpar nada, mas enxergando o mundo na realidade de hoje e a musica como parte disso.

AM: Através de cantoras como Soledad Pastorutti, a música de inspiração folclórica da Argentina ganhou um novo fôlego na última década, alcançando ampla popularidade e prestígio, inclusive no mercado fonográfico. Você acha que este processo repercutiu ou pode repercutir no Rio Grande do Sul? Seu trabalho inspira-se, de alguma forma, no movimento do novo folclore argentino?

SM: Acho que a música argentina nunca perdeu seu prestígio. Sempre existiram movimentos que “renovaram” a produção artística deles e permitiram estar sempre chegando ao povo. A Argentina é um país. Nós trabalhamos com a cultura de uma região, de um país imenso e diverso. Acho que são universos diferentes e, por isso mesmo, devemos buscar a nossa maneira e o nosso caminho. Temos muito mais vantagens que desvantagens em estarmos nesse ponto de passagem de tantas influências musicais e de fazermos parte de capítulos distintos da história do nosso país, o que nos torna gaúchos, mas muito brasileiros. Nós temos o sotaque da América Latina e o suingue e a harmonia da arte brasileira. Pra quê querer mais? Temos que usar isso a nosso favor. Meu trabalho acaba sempre sendo inspirado de alguma maneira em artistas que aprecio e admiro. É o caso de cantoras nem tão conhecidas na grande mídia argentina, mas de talento enorme, como Laura Albarracín e Luna Monti. Elas fazem parte deste novo movimento da Argentina no que se refere à renovação musical do folclore.

AM: Em 2008, você dividiu palco com Mercedes Sosa, o maior ícone da canção popular latino-americana. Conte-nos como foi essa experiência.

SM: Inesquecível e inexplicável. Foi como se estivéssemos apenas nós duas, e não as 5 ou 6 mil pessoas que lotavam o ginásio da Fenarroz, em Cachoeira do Sul, quando cantei com ela pela primeira vez. Foi mágico, primeiro por estar ao seu lado, e, segundo, por ouvir minha voz junto à dela. Acho que não vou viver momento tão importante em minha vida, até porque Mercedes sempre foi e sempre será meu grande ídolo!  Por isso, dediquei a ela meu novo CD e gravei o chamamé Ñangapiri, de Tarrago Ros, que foi a musica que cantei com ela em Cachoeira e depois, também, em Porto Alegre, em sua última apresentação na capital gaúcha.

(Arquivo pessoal da cantora)

AM: Além da carreira solo, você participa do premiado projeto Buenas e M’espalho, com Érlon Péricles, Cristiano Quevedo e Ângelo Franco. Como surgiu essa idéia?

SM: O Érlon e o Cristiano vieram morar em Porto Alegre em 2007; e o Érlon acabou auxiliando um bar a fazer uma programação regional. Me chamou para cantar em um dos dias. Logo o projeto se extinguiu nesse lugar e nós seguimos nos reunindo. Já éramos parceiros de música (eu já havia gravado músicas do Érlon e do Ângelo, que é até meu compadre). Estreitamos ainda mais nossa amizade. Foi na volta de uma Barranca, aquele festival aonde só vão homens [risos], que os guris chegaram com a novidade de que o Renato Mendonça, da Zero Hora, viria na Casa Dez (uma espécie de república onde moravam o Érlon, Cristiano, Paulinho Goulart, Felipe Álvares, Marcelinho Freitas – todos artistas) fazer uma matéria sobre os músicos interioranos que vinham para capital tentar a sorte. Me chamaram para participar. Aí contamos cada um sua história. Mendonça chamou a matéria de “Buenas e M’espalho” e nós nos demos conta de que tínhamos tarefas a cumprir como, de alguma maneira, reforçar a música regional na capital. Projetamos uma festa gaúcha, num bar que não tocava música desse estilo e foi um sucesso. Depois daí, outras festas, shows no interior, o CD, seis indicações ao prêmio Açorianos de música e duas vitórias: melhor disco regional e melhor instrumentista, para o Felipe Álvares. Até hoje a gente segue fazendo shows, como um projeto paralelo às carreiras individuais de cada um. E é sempre um encontro de alegria pra todos nós e que pretendemos que siga por bastante tempo, inclusive, trazendo outros cantores.

AM: Como é ser uma mulher num meio tradicionalmente dominado por intérpretes masculinos, como a música do Rio Grande do Sul? Quais as grandes dificuldades e os maiores desafios em relação a isso?

SM: Para mim sempre foi muito tranqüilo. Talvez porque eu tenha três irmãos homens, nunca me incomodei em conviver com mais homens do que com mulheres e minha relação sempre foi de muito respeito. Por essa mesma razão, nunca me senti excluída ou prejudicada por ser mulher. Pelo contrario. Acho que em alguns momentos tenho até vantagens. Essa questão do machismo, para mim, já está um pouco ultrapassada. Talvez as mulheres, em muitos casos, sejam mais machistas que os homens. Sempre tive meu espaço, sempre cantei os temas que quis, portanto, sempre tive uma relação tranqüila com o fato de ser mulher em um meio em sua maior parte masculino.

AM: Historicamente, o número de mulheres artistas na música gaúcha foi sempre escasso. Apesar disso, nomes como Mary Terezinha e Berenice Azambuja alcançaram um êxito muito grande, figurando nas paradas de sucesso e mantendo contrato com grandes gravadoras. Você vê alguma continuidade entre o passado das artistas regionais e sua trajetória? Qual?

SM: Acho que as mulheres e os homens artistas que “dão certo” são resultado principalmente de seu esforço e de seu trabalho. Claro que tem aquela história da “estrela” de cada um. Eu tenho a minha e todo dia trabalho por ela, seja me aperfeiçoando como cantora, seja trabalhando em meu escritório e projetando meus objetivos. Acredito no sucesso oriundo do trabalho, da competência e da responsabilidade. Esse é o caminho que busco para firmar minha carreira e deve ter sido o delas para chegar aonde chegaram.

AM: Em 2005, o jornal Diário Gaúcho reportou sua admiração pelo repertório de Teixeirinha, o maior sucesso da fonografia gaúcha. Ainda hoje existe um grande hiato entre os artistas regionais e a produção musical dos anos 1960-1970, sucesso nas vozes de Teixeirinha, Gildo de Freitas, José Mendes etc. Como você acha que este hiato poderia ser minimizado? Você pensa em, futuramente, trabalhar essa questão?

SM: Para mim a musica é uma manifestação artística que resulta do dia-a-dia de quem a faz. A realidade do mundo de hoje é muito diferente dos temas destes grandes artistas, o que não desvaloriza em nada o que foi feito por eles. Sou grande admiradora do trabalho de todos estes que citastes, mas acredito que cada artista deva buscar sua manifestação mais autentica e, só assim, conseguirá um espaço, criando seu público, despertando nas pessoas a vontade de ouvir o que tem a dizer. E isso, para mim, só se consegue de uma maneira longínqua, sendo diferente do que foi feito, sendo autêntico, sendo único. Teixeirinha, Gildo, Mendes foram únicos. Não que não possam ser relidos. Mas se o forem, devem ser de uma maneira muito criativa e distinta. Quem sabe?!

(Arquivo pessoal da cantora)

AM: Você está lançando um novo disco. O que seus fãs podem esperar desta nova produção? O que muda na Shana Müller deste CD em relação a dos anteriores?

SM: Me sinto mais madura e acredito que deva ser sempre assim. No decorrer dos anos, amadurecendo como artista, como cantora e como mulher, o trabalho de certa maneira vai acompanhando esse processo. “Brinco de Princesa” é o resultado desses três anos de meu amadurecimento. Busquei fazer um disco com requinte de arranjos, com bons músicos. Dei o melhor de mim. E sempre espero que os próximos sejam melhores. Assim deve ser. Quem ouvir este novo disco irá conhecer um pouco mais das informações musicais e de vida que trago comigo. Não há mudanças. Há um processo de evolução, acredito eu, comum a todos os artistas, a partir de suas vivências e experiências. Tenho o desejo de sempre fazer um disco distinto do outro. Esse é diferente dos outros dois e até mesmo do disco com o Buenas e M’espalho.

AM: Qual recado final você deixa aos leitores do América Macanuda?

SM: É um recado geral, aos amantes da cultura regional e àqueles que estiverem dando uma passadinha: conheçam mais da cultura regional gaúcha. Vocês podem se encantar. E contem a um ou dois amigos do que gostarem. Assim, quem sabe, a informação sobre as belas manifestações artísticas que temos aqui no Estado possam chegar à um numero maior de pessoas.

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Soledad em dose dupla

>> quarta-feira, 16 de junho de 2010

por Chico Cougo

Depois de alguns meses sem atividades, o América Macanuda está de volta. E, aos poucos, vamos entrando num ritmo honesto de atualizações sobre o mundo da música platina. A começar por dois eventos macanudos que devem protagonizar a cena musical de Porto Alegre nos próximos meses.

O primeiro ainda não tem data marcada, mas vai acontecer entre 24 e 31 de julho, semana do já tradicional Festival de Inverno de Porto Alegre. Estou falando do show de Soledad Villamil, atriz e cantora argentina, em cujo currículo constam dois discos solo (“Canta”, de 2007, e “Morir de amor”, de 2009) e uma participação no álbum “Glórias porteñas” (1999). Villamil vem a Porto Alegre como atração principal do Festival de Inverno, justamente depois que seu último filme, O segredo dos seus olhos, venceu o Oscar de melhor película estrangeira. No repertório da elegante cantora, clássicos de Gardel, Zitarrosa, Yupanqui e Canaro.

Abaixo, um de seus grandes sucessos: Baldosa floja, do CD “Canta”.





Em agosto, o destaque musical de Porto Alegre segue nas mãos de outra Soledad, igualmente argentina. No dia 28, o huracán de Arequito, Soledad Pastorutti, chega ao Brasil para mais um esperado recital. La Sole volta ao país menos de um ano após sua última apresentação, em outubro de 2009, no município de Bagé. A santafesina, que acaba de dar à luz a sua primeira filha, promete agitar a Festa Recuerdos, evento que integra o calendário da Expointer. O show acontecerá na Casa do Gaúcho, que fica no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Estância da Harmonia), no Centro da capital. Os ingressos já estão à venda nas cidades que recebem as etapas classificatórias do prêmio Freio de Ouro. Em Porto Alegre, as entradas podem ser adquiridas na loja Coza Gaúcha. Os 500 primeiros passaportes para assistir ao huracán de Arequito custam 40 reais.

Para quem ainda não conhece Sole Pastorutti, um de seus últimos sucessos: Trasnochados espinales.


Portanto, dois shows imperdíveis e que este blog acompanhará. Aproveitem!

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América Macanuda entrevista João de Almeida Neto

>> terça-feira, 23 de março de 2010

por Chico Cougo [@chicocougo]
                                                                                                 Arquivo pessoal do cantor

Há trinta anos um vozeirão de respeito vem conquistando os principais festivais de música do Rio Grande do Sul. Ele já arrebatou Coxilhas, Tertulias e Califórnias da Canção Nativa. Canta milongas, xotes, vaneiras, tangos e até samba-canção. Fora dos palcos festivaleiros, também é um sucesso. Com oito discos e um DVD no currículo, o advogado, compositor e cantor João de Almeida Neto, dono da “Voz do Rio Grande”, é um dos maiores ícones da música regionalista gaúcha atual. Apaixonado por Carnaval e futebol, seu vasto repertório inclui temas políticos, românticos, humorísticos e até clássicos de Gildo de Freitas. O artista, que mantém em sua agenda quatro tipos diferentes de shows (incluindo “Gaúcho também chora”, onde interpreta clássicos do tipo “dor-de-cotovelo”), aceitou ser o primeiro entrevistado do América Macanuda e revelou detalhes de sua vitoriosa carreira. Objetivo e ferrenho defensor da cultura nacional, o cantor contou, ainda, que planeja lançar um CD e um DVD em breve. Confira:

América Macanuda: Conte-nos um pouco sobre o início de sua carreira profissional como cantor e compositor.

João de Almeida Neto: Comecei no início da década de 80, como músico da noite na PULPERIA, bar e restaurante que reunia a juventude adepta do movimento nativista, emergente na época. Em função de participações exitosas em festivais, principalmente na 5ª Tertúlia de Santa Maria, 1º Musicanto de Santa Rosa e 1ª Coxilha de Cruz Alta, aos poucos, fui abrindo mercado para shows no interior do Estado e depois fora dele. Gravei o primeiro disco em 1989.

AM: No disco “Coração de Gaúcho” (USA Discos, 2000), você gravou Sem você não sou feliz, de Gildo de Freitas, e Guitarreiro para um guitarrista, de Luiz Coronel e Marco Aurélio Vasconcelos, duas canções que representam autores de movimentos historicamente opostos na música gaúcha. Em outros discos você repetiu esta fórmula com facilidade e sucesso. Diante disso, podemos pensar que João de Almeida Neto é tradicionalista, nativista, regionalista ou que não tem um rótulo definido? Como você transita com tanta facilidade em gêneros aparentemente tão diferentes?

JAN: Efetivamente, antes do exemplo que citaste eu já havia gravado Definição do Grito, no meu 1º disco, Homem Feio Sem Coragem Não Possui Mulher Bonita e Trança de China, todas do Gildo. É que não considero a música regionalista e nativista de movimentos “historicamente opostos”, mas linguagens da mesma cultura, com dialéticas diferentes. Ambas versam sobre a cultura popular gaúcha. Admito que a vertente nativista tem, ou teve, uma concepção poética mais culta e uma construção melódica mais rebuscada. Se eu tiver que me abrigar em algum dos segmentos, certamente será na linha nativista, porque foi de onde vim, vide histórico dos festivais, mas admiro e respeito todas as manifestações culturais populares.

AM: Há quem diga que sua voz é muito semelhante à de Nelson Gonçalves e você próprio admite que o “Metralha” é uma de suas referências musicais. Nunca pensou em gravar um disco com temas do repertório de Nelson? E de outros autores não identificados exclusivamente ao Rio Grande do Sul? Seu show “Gaúcho também chora”, que explora temas como a boemia, é uma direção neste caminho?

JAN: Ser comparado ao Nelson Gonçalves é um honra para mim. Procuro escutar cantores que admiro (Orlando, Nelson, Nat King Cole, Azsnavour, Carlos do Carmo), não para copiá-los, mas para aprender as malandragens vocais. Nunca me atraiu a idéia de refazer o repertório de um cantor, tipo bancar o sucessor. Acho isso apelativo. O show “Gaúcho Também Chora” procura mostrar sambas e choros compostos por gente ligada ao nativismo e que eu também posso incursionar pela MPB, como cantor.

                                                                                              Acervo pessoal do cantor

AM: A música do Rio Grande do Sul vive um momento de projeção nacional limitada. Diferente de outros momentos da História, quando artistas como Teixeirinha, Berenice Azambuja e Gaúcho da Fronteira eram sucesso em todo o país, hoje vivemos um processo de sucessos locais e com pouca expressão nacional. Como você encara esta questão? Em sua opinião, o que pode ser feito para que a música regional quebre as fronteiras do Estado e volta à cena com força?

JAN: Não é de todo verdade que estejamos “órfãos” de artistas com expressão nacional. Renato Borghetti e Yamandú Costa contam com prestígio em todo o território brasileiro e, até mesmo, no exterior. O que não temos é gente sistematicamente na mídia. Mas isso não acontece apenas com músicos gaúchos. Há muita gente boa por este País afora que a mídia não conhece. Isso é mais problema da mídia, que não se importa com a cultura brasileira e divulga apenas os enlatados das gravadoras. Como dizia o Aldir Blanc: “o Brasil não conhece o Brasil”. É possível que um maior investimento em divulgação pudesse mudar esse panorama. No meu caso, falta disciplina e dedicação. Quem sabe até um pouco de humildade pra “pedir penico”pra programador de rádio.

AM: Em 1988, você classificou três canções para a noite final da Califórnia da Canção Nativa e arrematou o prêmio de melhor intérprete. Este foi apenas um dos capítulos de sua história vitoriosa no festival de Uruguaiana. Você considera a Califórnia como o palco mais importante de sua vida? Qual a sua opinião sobre os rumos que o festival tomou nos últimos anos?

JAN: Considero o Movimento Nativista um processo cultural que se alastrou por todo o Estado e sob essa óptica todos os festivais tiveram sua parcela de importância na renovação estética/cultural de nossa música. A Califórnia foi o primeiro desses palcos. O pioneiro. Nada teria acontecido sem ela. Por isso se destaca. Eu andei por todos eles. De cada um colhi uma experiência. Palco é palco, amigo. É um mundo à parte. Desde o mais humilde coreto de rodeio, ao mais glamoroso cenário de teatro, sobre eles está, humilde ou glamorosa, a ARTE, para se plantar ou se colher. Os festivais cumpriram um ciclo. Longo ciclo. É natural que tenham perdido força. A Califórnia descuidou de alguns detalhes e se desprestigiou por isso. Seria necessário mais tempo e espaço para detalharmos isso. Independente do rumo que tenha tomado deixou seu legado e poderá, se quiser, retomar seu lugar na história do movimento.

AM: Quais são as maiores dificuldades que os artistas da música regional ainda encontram?

JAN: A pouca expansão do mercado de trabalho, o desamparo classista, a falta de divulgação espontânea do seu trabalho e o preconceito contra a música rural.

AM: As recentes polêmicas envolvendo, primeiro, o MTG e os grupos da chamada “Tchê Music”, e, depois, as declarações do músico Nei Lisboa – que, em entrevista ao jornal Zero Hora, classificou a música regional gaúcha como “intragável” – fizeram com que o debate sobre a qualidade do se produz musicalmente no Rio Grande do Sul voltasse à tona. Você acha que este debate é válido? A polêmica ajuda ou atrapalha?

JAN: Acho que a polêmica e o debate sempre ajudam. Como disse Ptolomeu: “Da discussão nasce a luz”. Mas não no nível colocado pelo Nei. Uma coisa é criticar, outra é ofender. Intragável foi a postura dele, que pelo jornal disse o que disse e depois se negou a ir aos debates a que foi convidado. Amarelou. Ficou com medo de sustentar a própria palavra. As questões do MTG e da “Tchê Music” são menores do que as questões culturais, como um todo. Não se pode tê-los como a folha de rosto da cultura do Rio Grande. Debater sobre o que eles têm de bom ou de ruim é apenas procurar caminhos e não decidir, definitivamente, como as coisas devem ou não devem ser. Existe cultura além do MTG e existe música além da “Tchê Music”.

AM: Como advogado e artista, o que você pensa da Internet enquanto meio de divulgação artística? A troca de arquivos de MP3, por exemplo, tem beneficiado ou prejudicado a difusão de seu trabalho?

JAN: Como músico ou como advogado não posso concordar com a pirataria. Mas internet é um problema maior para as gravadoras do que para os artistas, na medida em que os discos não pertencem a estes, mas a elas. Por outro lado não há como negar que a troca de arquivos e as disponibilidades musicais na rede ajudam a tornar o trabalho do músico conhecido. Mas isso não torna lícito o que é ilícito.

                                                                        Arquivo pessoal do cantor

AM: Quais são seus próximos planos? Você está trabalhando em algum novo projeto de show e/ou disco? Pode adiantar algo para nossos leitores?

JAN: Tenho um disco novo já entregue para a gravadora, que o lançará brevemente. BRASILEIRO E CASTELHANO, se chama. Gravei músicas novas e uma milonga candombe, de um compositor uruguaio, em espanhol. Estou organizando a continuidade do GAUCHO TAMBÉM CHORA, para levá-lo para fora do Estado e para gravar um DVD.

AM: Qual o recado você deixa para o leitor do América Macanuda?

JAN: Não sou muito de dar conselhos. Acho que é porque não sou muito de segui-los. Mas se me permitem, sugiram que as pessoas valorizem mais a cultura nacional.

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Livros: “Califórnia da Canção Nativa”

>> segunda-feira, 22 de março de 2010

por Chico Cougo

No final dos anos 60, o estancieiro Colmar Pereira Duarte teve sua composição Abichornado desclassificada de um festival realizado pela Rádio São Miguel, de Uruguaiana. O motivo do corte: Abichornado era uma canção regionalista, que falava das coisas da terra e fugia da proposta do festival. Inconformado, Colmar prometeu a si mesmo que vingaria aquela derrota. E de uma forma maior do que qualquer retaliação mesquinha: ele próprio criaria e ajudaria a organizar a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, o mais importante festival da História musical do Estado.

É esse o mote central de Califórnia da Canção Nativa: marco de mudanças na cultura gaúcha (Movimento, 2001). No livro, que conta com quase duzentas páginas recheadas de imagens e depoimentos de suma importância, a trajetória da Califórnia é remontada desde suas origens, enfocando as polêmicas pelas quais passou e as mudanças que instaurou no meio cultural gaúcho. Escrito por José Édil de Lima Alves e pelo próprio Colmar Pereira Duarte, o livro parece ter sido idealizado, de um lado, como um balancete sobre as conquistas e dificuldades do festival e, de outro, como uma “biografia” do movimento que ele ensejou. Daí a abundante participação de depoentes, documentos e de uma didática linha cronológica que ajuda a visualizar os avanços e retrocessos da Califórnia até sua 29ª edição.

Apesar do tom de História oficial, o livro abre o flanco para discutir algumas das principais polêmicas que povoaram os quase 40 anos de História da Califórnia. Quem é o verdadeiro idealizador do festival? Páginas e mais páginas são gastas para afiançar que Colmar é o “pai” legítimo do evento, mas, ainda assim, volta e meia surgem trechos que põem em xeque esta assertiva. Outra polêmica: cantores com sotaque castelhano podem ou não participar do certame? A discussão é substituída pelo pedido de suspensão do festival feito pelo cantor Daniel Torres, em 1999 – e que foi negado pela justiça (o cantor alegava preconceito por parte da organização, que não admitia sotaques estrangeiros).

Entre acusações e oficializações, Califórnia da Canção Nativa: marco de mudanças na cultura gaúcha parece um livro fundamental para compreender o desenvolvimento da Califórnia e de toda a cultura dos festivais nativistas no Estado. Mais do que isso, na medida em que o livro avança, fica mais perceptível o ideal de higienização da cultura gaúcha, que permeou este movimento gestado, ao fim e ao cabo, nas esferas da classe média/alta.

Enfim, uma obra de leitura obrigatória para os interessados na cultura sulina e em seus debates mais profundos. Vale a pena lê-lo!

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"Gardel Inédito"

>> sábado, 20 de março de 2010

                                                                                                                   EMI/Divulgação
por Chico Cougo [@chicocougo]

Revirar os porões das velhas gravadoras é o sonho de qualquer discófilo. Imaginem só um lugar repleto de acetatos com setenta ou oitenta anos de vida, verdadeiras relíquias musicais gravadas por artistas que mudaram a cena musical de seu tempo! É impossível pensar na inexistência de gravações que nunca chegaram ao público, ou que tiveram letra e música modificadas antes da consagração.

Com mais ou menos este espírito, a EMI lançou, em 1999, o álbum “Gardel Inédito”, uma coletânea com 21 canções de Carlos Gardel que, até então, permaneciam inéditas. Aliás, nem tão inéditas assim. Na realidade, os fonogramas lançados jamais haviam chegado ao público, porque o próprio cantor os teria trocada por outras  versões de seu agrado. Daí o fato de o disco não contar com nenhum tema realmente inédito na voz do “Morocho”. Trata-se apenas de gravações desconhecidas.

O processo de produção da obra é, no mínimo, fantástico. Em 1998, pesquisadores e produtores mergulharam nos arquivos da EMI (na época de Gardel a gravadora se chamava Odeon) e resgataram os velhos discos de acetato, as provas que eram produzidas antes da prensagem final. Os originais foram limpos, catalogados e enviados ao consagrado estúdio Abbey Road (o mesmo dos Beatles), onde engenheiros de som da Universidade de Oxford remasterizaram o material, deixando-o com qualidade digital. “O resultado, comparado ao som que tinham os originais, é extraordinário”, diz a contracapa de “Gardel Inédito”.

No repertório, grandes e nem tão grandes clássicos do “Zorzal Criollo”, alguns com roupagem bastante diferente das comumente conhecidas. Em Contramarca (Brancatti / Rossi), um arranjo de cordas mostra o empenho de Gardel em conseguir a melhor combinação instrumental/voz. Já a versão de Caminito (Peñaloza / Filiberto) parece ter música ligeiramente menos elaborada, em relação à gravação mais famosa. Outro barato do disco é o grande número de gravações de temas “lado B”, aqueles menos populares, como Todavía hay otarios (Pizarro / Bebety) e Alicia (Cárdenas / Barbieri).

Infelizmente, “Gardel Inédito” não foi comercializado no Brasil (como se não tivéssemos gardelianos à altura por aqui...) e, mesmo na Argentina, o disco aparece fora de catálogo nas principais lojas. De qualquer forma, não é difícil encontrar o álbum nos bons sites de compartilhamento da Internet. Uma audição recomendadíssima para quem gosta de Gardel, de tango e do cheirinho de pó dos porões!

                                                                                                                                                          EMI/Divulgação

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